sábado, 12 de maio de 2012


Produção científica na ciência da informação

Antonio Miranda

No início da década de 70, quando os Toffler já haviam propalado o conceito de" terceira onda" e anunciavam a "era da informação", e MacLuhan há tempos entendia que vivíamos em uma "aldeia global" em virtude dos avanços nas telecomunicações e da mídia televisiva, ou seja, quando a idéia de" globalização" não estava em voga, mas estava sendo anunciada, o escandinavo Bjorne Tell andou pela Venezuela a convite das autoridades daquele país vizinho. A Venezuela orgulhava-se de contar com uma elite de pesquisadores no seu Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas (IVIC) e de contar com a melhor biblioteca de ciência e tecnologia da América Latina, ambiente propício para uma produção científica relevante. As recomendações do ilustre visitante para o desenvolvimento científico fazem parte de um relatório da Unesco, e, dentre elas, uma causou escândalo nos meios políticos e jornalísticos: a de que os cientistas venezuelanos deveriam esforçar-se por publicar trabalhos em língua inglesa e, mais do que isso, editar uma revista internacional, em inglês, para veicular sua produção. A Venezuela, como aliás toda a região, vivia a exacerbação do nacionalismo e, mesmo sendo o espanhol a língua dos colonizadores, era vista como símbolo pátrio e, ao contrário, o inglês era fatalmente relacionado com o imperialismo ianque. Sinais dos tempos.
De novo na Venezuela, o problema é colocado pelo espanhol Felix Moya. Em reunião recente em Maracaibo, o ilustre pesquisador de Granada apresentou o estado da visibilidade da literatura ibero-americana no contexto da produção científica mundial. O resultado a gente sabe: temos uma participação minoritária. Mas ele foi mais longe e, pela primeira vez, revelou a situação da ciência da informação no contexto. Os dados concretos vamos deixar para um comunicado futuro no Informativo IBICT, mas cabe adiantar que a nossa área responde por uma parcela residual da produção mundial e que a participação da América Latina, Caribe e Península Ibérica é ainda simbólica.
Todos nós sabemos como é feito o "controle bibliográfico" da produção mundial: de forma extremamente seletiva, e os textos em línguas menos" acessíveis" costumam ser marginalizados, mesmo o espanhol, que é considerado língua oficial das Nações Unidas, para não detalhar a situação marginal da língua portuguesa. A lista básica que consubstancia o levantamento tanto da produção quanto das citações prima pela qualidade das publicações científicas, mas centra-se nas que privilegiam a língua inglesa. A surpresa correu por conta do fato de países como a Espanha, Portugal e mesmo o pequeno Panamá estarem em condições proporcionais superiores ou próximas do Brasil. Em outras palavras, da mesma maneira que cientistas venezuelanos e brasileiros têm dificuldades para serem reconhecidos pela comunidade internacional, os cientistas da informação não constituem exceção. A nossa situação é ainda pior. Como reverter tal situação?
Houve um tempo em que a revista Ciência da Informação publicava alguns artigos em inglês, inclusive de autores brasileiros. Causou estranheza e até protestos. Muitos entendiam que a principal razão da publicação seria a de propiciar textos em língua nacional para servir aos profissionais. Hoje, nós publicamos originais em língua castelhana sem constrangimentos, legitimados pelos objetivos integracionistas do Mercosul. Como ficam a língua inglesa e outras línguas? Reconhecemos ser este um tema para uma reflexão mais ampla em virtude de suas implicações logísticas e econômicas.
O que desejamos levantar é a questão estratégica de encontrar caminhos para alcançarmos uma visibilidade mais justa de nossa produção científica na área de ciência da informação, reconhecidamente emergente após o tremendo esforço gerado a partir da década de 50 com a criação do Instituto Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (IBBD), dos cursos de documentação científica, com o advento dos cursos de pós-graduação, com o surgimento de revistas científicas e técnicas especializadas e com a consolidação de uma elite diversificada de profissionais de alto nível, de educadores e de pesquisadores. A nossa "projeção" internacional não corresponderia ao porte e qualidade do trabalho que realizamos.
Se analisarmos cada caso em particular, poderemos descobrir as razões das vantagens relativas aludidas. Por exemplo, a Espanha hoje faz parte da Comunidade Européia e os investimentos em C&T vêm propiciando o desenvolvimento de suas publicações científicas. Não obstante, sabe-se que as autoridades espanholas fizeram um esforço significativo para promover revistas espanholas nas considerações do órgão norte-americano que faz a compilação de dados mundiais. Portugal tomou o atalho de realizar uma pós-graduação com a Universidade de Sheffield (Reino Unido), produzindo trabalhos em língua inglesa. O Panamá retomou a Zona do Canal, mas permanece lá um instituto de pesquisa norte-americano ligado à Smithsonian Institution, cujos pesquisadores são estrangeiros em sua maioria. O México, além da proximidade com os Estados Unidos e de praticar com mais intensidade o envio de pesquisadores para formação no país vizinho, conta com um instituto de pesquisa biblioteconômico com uma política suficientemente agressiva para marcar presença internacional. Em outras palavras, não bastam os méritos. É crucial promover. Como dizia o folclórico Chacrinha, "quem não se comunica se trumbica". Há até quem pague para garantir a inserção de seus trabalhos em revistas estrangeiras, quando os trabalhos merecem um investimento de tal magnitude.
Em face do exposto, queremos convocar os responsáveis pela produção científica - notadamente os dirigentes das instituições-líderes (IBICT e sistemas especializados) e também da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (Ancib) - para um debate que nos leve à formulação de estratégias que propiciem mudar o atual quadro negativo.
Entre as idéias em pauta, estariam ampliar o financiamento da pesquisa especializada, criar prêmios para os melhores trabalhos de pesquisa, financiar as traduções, criar facilidades para que os nossos pesquisadores possam, com mais freqüência, participar de eventos internacionais, identificar revistas estrangeiras importáveis que sejam mais receptivas e, sistematicamente, promover o envio de originais e até mesmo o extremo artifício -  proposto por Bjorne Tell - de criarmos uma revista internacional. Quem sabe uma publicação da Ancib com uma seleção do que de melhor se publica em nossas revistas, além de textos inéditos ou mesmo uma edição extra anual da Ciência da Informação com o mesmo propósito? Uma revista estritamente brasileira ou mais abrangente, aberta ao Mercosul e à comunidade internacional?
Fica a provocação e esperamos as repercussões.


Antonio Miranda
Professor do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da UnB e membro da Comissão Editorial da revista Ciência da Informação.